Agora sabemos que o capitão Alegria escolheu sua própria morte às cegas, sem olhar o rosto irado do futuro que espera as vidas traçadas ao revés. Escolheu extinguir-se sem paixões nem sobressaltos, sem erguer o tom da voz a não ser no momento em que atravessou o campo de batalha com as mãos levantadas tão-somente para não parecer suplicante, e diante de um inimigo incrédulo, gritar muitas vezes: "Sou um rendido!". Sob um ar morno, transparente como um aroma, Madri anoitecia num silêncio melancólico alterado apenas pelo estrondo abafado dos obuses caíndo sobre a cidade em cadência litúrgica, não bélica. "Sou um rendido". Durante duas ou três noites, é o que nos consta, o capitão Alegria esteve definindo esse momento. É provável que se negasse a dizer "eu me rendo", porque essa frase responderia a algo congelado num instante, quando a verdade é que ele fora se rendendo pouco a pouco. Primeiro se rendeu, depois se entregou ao inimigo. quando teve oportunidade de falar sobre isso, definiu seu gesto como uma vitória ao revés. "Embora todas as guerras sejam pagas com os morto, faz tempo que lutamos por usura. Teremos de escolher entre ganhar uma guerra ou conquistar um cemitério", concluia numa carta que escrevera à sua namorada Inês em janeiro de 1938. Agora sabemos que ele, sem saber, tinha recusado de antemão ambas as opções.
Fragmento do conto Primeira derrota 1939 ou Se o coração pensasse, deixaria de bater, escrito por Alberto Méndes, escritor espanhol.
Fragmento do conto Primeira derrota 1939 ou Se o coração pensasse, deixaria de bater, escrito por Alberto Méndes, escritor espanhol.
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