terça-feira, 11 de setembro de 2012

FOTOGRAFIA DO 11 DE SETEMBRO

Wislawa Szymborska

Pularam dos andares em chamas —
um, dois, alguns outros,
acima, abaixo.
A fotografia os manteve em vida,
e agora os preserva
acima da terra rumo à terra.
Ainda estão completos,
cada um com seu próprio rosto
e sangue bem guardado.
Há tempo suficiente
para cabelos voarem,
para chaves e moedas
caírem dos bolsos.
Permanecem nos domínios do ar,
na esfera de lugares
que acabam de se abrir.
Só posso fazer duas coisas por eles —
descrever este voo
e não acrescentar o último verso

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Nada duas vezes

Duas vezes nada acontece
nem acontecerá. E assim sendo,
nascemos sem prática
e sem rotina vamos morrendo.

Nesta escola que é o mundo,
mesmo os piores
nunca repetirão
nenhum inverno, nenhum verão.

Os dias não podem ser repetidos,
não há duas noites iguais,
não há beijos parecidos,
não se troca o mesmo olhar.

Ontem, o teu nome
em voz alta pronunciado
foi como se uma rosa
me tivessem atirado.

Hoje, ao teu lado,
voltei a cara para a parede.
Rosa? O que é uma rosa?
Será flor? Talvez rocha?

Porque tu, ó má hora,
me trazes a vã tristeza?
Se és, tens de passar.
Passarás - e daí a tua beleza.

Abraçados, enlevados,
tentaremos vencer a mágoa,
mesmo sendo diferentes
como duas gotas de água.

Wisława Szymborska

sábado, 5 de maio de 2012

Cântico Negro


"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

José Régio

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

The manifest pangaré

1) Para ser um pangaré - é necessário andar do meio para trás, eventualmente, um pangaré dá um trote mais largo, mas é por uma razão desconhecida, talvez, alguma faísca tenha acendido, então, ele troteia mais rápido, breve, para em seguida andar no seu costumeiro ritmo.

2) A origem do nome – Pan que significa todo, toda, tudo (vários) e garé pequena variação de galé ( navios em que alguns eram condenados a remar, trabalhos forçados) , resumindo: vários no mesmo barco. É dito que a multiplicidade enriquece, é provável. Acontece que o pangaré talvez se confunda com esta multiplicidade. Façamos a seguinte comparação: imaginemos alguém com um livro e outro com muitos, ambos têm que lerem, pois o tempo urge, e é aí que o pangaré vai se demorar para escolher o livro ou escolher o caminho. Sosseguemos os espíritos dialéticos. Quem tem somente um livro ou um caminho poderá se entediar? Sem dúvida, mas esse será o único livro e o único caminho, e não há perigo de se perder. Quanto ao pangaré? Sabe-se lá com qual livro esta e que caminho tomou ou vai tomar, não adianta virem de Antonio Machado, pois é possível que o pangaré ainda não tenha se movimentado.

3) O pangaré e as tarefas – O pangaré começará pelo mais fácil, né? Errado. O pangaré não começará por nenhuma. Não associemos à preguiça, é o Pan. A multiplicidade do seu ser gera uma atrapalhação, por fim, ele começará todas as tarefas juntas, bem, o resultado será bastante diverso: entre o médio e ruim. Tendendo mais para o último.

4) O pangaré e atrapalhação – Observem que no item três a palavra atrapalhação. Poderíamos pensar que é pela origem do seu ser, mas não é. O pangaré necessita de duas ou três coisas, mas o mundo oferece demais, e isso confunde um pangaré.

5) O pangaré e as mulheres – Percebam que as ideias vão se encaixando. O mundo oferece mais do que se precisa, há excedente. Sabemos que o pangaré se confunde. Não sabemos se isso já havia sido dito, o pangaré é tímido, e como em quase todas as espécies a iniciativa é do macho, o pangaré terá suas dificuldades para se relacionar. Mas há pesquisas provando que o pangaré não é um caso perdido.

6) O pangaré e o seu círculo - O pangaré não anda em grandes grupos. Andam em dois, três ou quatro, e muitas vezes são vistos até sozinhos.

Seis itens dão uma idéia de inconcluso, e está mesmo. Um pangaré não faz grandes projeções (um parêntesis: certa feita soube-se de um que separou sessenta livros para serem lidos em dois meses, sendo que o segundo mês era fevereiro, é uma longa história), talvez, ainda venham: o pangaré e o futebol, o pangaré e a filosofia, o pangaré e a educação, o pangaré e o amor, o pangaré e o dinheiro.

Gula

Tomo satisfação de Deus.
Tenho fome.
Há tantas mulheres
para serem amadas,
há tantos livros
para serem lidos
e há tantos amigos por encontrar,
que (só) está vida não satisfaz,
não satisfaz,
a gula que sentem os poetas.

Jorge Fróes