chegue até Vós meu ventre dilatado
e Vos comova, Senhor, meu mal sem cura.
Inauguro o dia, eu que a meu crédito explico
que passei em claro a treva da noite.
Escutei - e é quando às vezes descanso -
vozes de há mais de trinta anos.
Vi no meio da noite nesgas claríssimas de sol.
Minha mãe falou,
enxotei gatos lambendo
o prato da minha infância.
Livrai-me de lançar contra Vós
a tristeza do meu corpo
e seu apodrecimento cuidadoso.
Mas desabafo dizendo:
que irado amor Vós tendes.
Tem piedade de mim,
tem piedade de mim
pelo sinal da Vossa Cruz,
que faço na testa, na boca, no coração.
Da ponta dos pés à cabeça,
de palma à palma da mão.
Adélia Prado, do livro "Bagagem", ed. Civilização Brasileira