sábado, 15 de outubro de 2011

O leitor (mas também podia ser "A função da arte")

Num de seus contos, Soriano imaginou um jogo de futebol em alguma aldeia perdida da Patagônia. Ninguém tinha feito um gol contra o time local em seu campo. Tamanha ofensa era proibida, sob pena de forca ou de tremenda sova. No conto, o time visitante evitou a tentação o jogo inteiro; mas no finzinho o centroavante ficou sozinho na frente do goleiro e não teve outro remédio além de passar a bola pelo meio de suas pernas.

Dez anos depois, quando Soriano chegou ao aeroporto de Neuquén, um desconhecido amassou-o num abraço e levantou-o com mala e tudo:

– Gol, não! Golaço! – gritou. – Estou vendo você! Você festejou que nem Pelé!

Depois cobriu a cabeça:

– E que chuva de pedras! A sova que a gente levou!

Soriano, boquiaberto, escutava de mala na mão.

– Desabaram em cima de você! Eram uma cidade inteira – gritou o entusiasta. E apontando para ele com o polegar, informou aos curiosos que estavam se aproximando:

– Eu salvei a vida desse aí!

E contou a todos, com todos os detalhes, a tremenda briga que se armou depois do jogo: aquela partida que o autor tinha disputado na solidão, numa noite longínqua, sentado na frente de uma máquina de escrever, um cinzeiro cheio de guimbas e um par de gatos dorminhocos.